REPRESENTAÇÃO DA DEUSA MAAT NO EGITO ANTIGO:

Na Mitologia Egípcia, Maat ou Ma’at (M3ˁt) é a Deusa da justiça e do equilíbrio. É representada por uma jovem mulher negra que exibe uma pena em sua cabeça. Ela é filha de Rá, o Deus Sol e a esposa de Toth.

“Maat é a concepção egípcia de ordenação e da relação que evidencia e governa todos os aspectos da existência, semelhante à noção ocidental de lei natural. Estende-se desde os elementos da natureza (o mundo dos deuses) até o comportamento moral e social da humanidade.” (ALLEN, James, 1998, p. 26)

Por ser a filha de Rá, Maat era a verdade e a luz, e os egípcios acreditavam que ela dava realidade aos seres e às coisas, visto que, para os mesmos, qualquer objeto precisava ter uma existência real, ter uma forma visível, requerindo, então, o toque da deusa. O ato simbólico de ter visto a luz, depois de ter sido olhado pelos olhos do rosto celeste.

MAAT

Deusa Maat: tumba do faraó Seth I (1294-1279 a.C.), Vale dos Reis

TEMPLOS

Maat tinha presença que transcendia o mundo dos vivos e dos mortos, porém seu êxito demandava a companhia do Faraó. Como “figura-estado” de maior influência terrena para os egípcios antigos, ele estabeleceria as construções dos templos dedicados a Maat, com objetivo de cultuar a deusa na vida terrena. Desta forma, seria o responsável por zelar pela manutenção do equilíbrio de Estado/Sociedade e Estado/Natureza, como representante supremo da ordem divina na terra.

Um dos templos mais importantes em homenagem à deusa é o Templo de Abydos, cujo dados históricos acusam sua construção por Seth I (1234-1279 a.c), segundo Faraó da décima nona dinastia.

MAAT3

Apresentação de Maat: Templo de Abydos, faraó Seth I (1294-1279 a.C.)

A imagem acima, retirada deste mesmo templo, é uma representação do rito onde o faraó cultuava a Deusa como parte do ritual de Entronização. Nesta imagem, o ato sagrado é protagonizado por Seth I, que ao ofertar Maat aos Deuses, estabelece um pacto de governabilidade, ato que simboliza o comprometimento em renovar e manter diariamente a ordem e a justiça no mundo natural e no espiritual.

A falha de qualquer Faraó nesse compromisso, subverteria a ordem, e a Deusa Maat faria uma intervenção e puniria a terra com desastres “naturais”.

Segundo Jan Assmann, se o estado desmoronasse, também afetaria Maat, pois ela é a força harmonizadora e a justiça que unifica todos os seres humanos, os animais, os deuses, os mortos e o cosmo. Em consequência disto, aconteceria o desaparecimento da linguagem, do conhecimento e da memória, porque o intacto círculo da existência e a circulação do sentido seriam quebrados. A presença da Deusa só é dada enquanto se há um bom governo e há a manutenção do culto aos Deuses, onde é representado o sentido de verdadeiro e a missão do estado.

Outra função de Maat pode ser compreendida como um “conjunto de preceitos éticos” que deveria orientar o comportamento do homem egípcio enquanto fiel e servo.

“Os Egípcios acreditavam que o coração, orgão identificado com a deusa Maat e sede da subjetiva humana, também deveria orientar o posicionamento ético do homem egípcio perante a sociedade na qual estava inserido, além do conjunto de valores, socioculturais que lhes eram impostos pelo meio em que vivia. Sendo assim, o indivíduo necessitava estar sempre em harmonia com órgão a ela associado, que representava a leveza proporcionada pela retidão cósmica. Maat, tratava-se de um princípio imutável inscrito no coração dos homens desde a criação. Opor-se a ele significa desarmonia, e consequentemente, caos e sofrimento.”


 

A PENA DE MAAT

O símbolo mais famoso da Deusa Maat é a pena de avestruz que a mesma ostenta em sua cabeça. O avestruz era o símbolo da criação e da luz usada pelos Deuses Shu e Amun, entretanto, ao ser usada como a Pena de Maat, representava a verdade, a ordem e a justiça. Maat pode ser representada em hieróglifos apenas pela própria pena. No entanto, isto pode  causar confusões, visto que o mesmo hieróglifo também pode ser usado para simbolizar o deus do ar Shu.

MAAT4

Hieróglifo representativo da deusa.

CONCEPÇÃO EGÍPCIA: ALMA E CORAÇÃO

Na crença egípcia acreditava-se que o ser humano era dividido em partes físicas e não físicas, no momento da morte elas se separavam e voltariam a se reunir no outro mundo. As partes físicas eram: O corpo físico (Khat)a sombra (Shut)o nome (Ren) e o coração (Ib). As partes não físicas: A força vital (Ka)princípio da mobilidade (Ba) e o princípio da imortalidade (Akh) e também, haveria a composição do corpo humano que em vida era chamado de Khat ou Iru, a respeito da forma e aparência; no instante da morte o morto era chamado de Khat; quando mumificado, o morto era chamado de Sah. A importância da mumificação para os egípcios seria a transfiguração do corpo morto em um novo corpo “cheio de magia”.

IB (CORAÇÃO)

“É dele (do coração) que jorram as fontes da vida”, segundo um texto gravado em uma pirâmide do Alto Império. O órgão era conhecido como “coração metafísico”, e formava-se a partir da gota de sangue do coração da mãe no momento da concepção. Os egípcios entendiam que o coração era sede de inteligência, criador de todos sentimentos e atos, também depósito da memória. Era considerado a “chave” para a vida após a morte, pois sobreviveria à morte e testemunharia a favor ou contra seu possuidor, na cerimônia de sua passagem.

O Ib não poderia ser mais pesado do que a pena de Maat, ao contrário disso, ele seria devorado pelo demônio Ammit. Era importante que órgão interno continuasse mantido no lugar, dentro da cavidade corporal, no processo da mumificação.

MAAT5

Amuleto Ib de madeira dourada (à esquerda) e pedra verde (à direita)

A respeito de uma toda concentração do conteúdo essencial psicológico e espiritual do homem, não foi só na antiguidade, e sim, uma particularidade do povo semíticos. O tema Cardiocêntrica foi observado pelos antigos gregos nos textos: Homero, Hesíodo e Ésquilo. De um lado estava Platão, que falava sobre a teoria Tripartite da Alma, onde ele dissocia a hegemonia do coração humano central.

  “Nesse contexto, Platão parece ter sido o primeiro a destituir o coração humano de sua hegemonia central. Exemplo emblemático desse esforço, sua célebre teoria tripartite da alma, exposta no Timeu, começa por localizar a alma humana, em sua dimensão intelectual e imortal, na cabeça,  especificamente no cérebro. Parte que se encontra mais afastada da dimensão telúrica e mortal, a cabeça apresenta-se como a extremidade de maior proximidade com o mundo celeste; mundo este identificado com o reino das idéias, dos arquétipos divinos, perfeitos e universais. É na cabeça, no cérebro, que se experimenta de maneira sensível a ação de pensar, atividade superior por excelência e definitória da essência humana – enquanto ser racional. Ao coração, e mais genericamente ao peito, Platão associa a “alma sensitiva” ou “emocional” ao princípio dos sentimentos e paixões como a cólera ou a coragem.  Tal noção significou um divisor de águas na história das concepções sobre o coração humano, porém, não necessariamente uma ruptura em relação às tradições mais arcaicas.”

AMULETO  DE  ESCARAVELHO

Esse escaravelho era feito com bastante realismo em sua parte interior. O nome referente é Escaravelho / Coração, sendo amuleto de pedra dura que era colocado no lugar do coração, no peito do morto mumificado. Ele era incrustado numa moldura retangular sobre peito da múmia. Houveram casos dos amuletos também serem encontrados dentro do tórax dos animais sagrados.

MAAT6
Rocha parda. Possui a dimensão de 8 x 6 x 6,1 cm e 3 x 2 cm de espessura. Império Novo, (c.1550 a 1070 a.c), Museu do Louvre.

O amuleto acima está circundado de ouro e nele ainda se é possível ver um fragmento de alça de metal que servia para pendurá-lo no pescoço da múmia. A Parte interna do escaravelho está inscrito com os Hieróglifos do capítulo XXX do Livro dos Mortos.

“Aqui o coração é interpelado e desempenha o papel da consciência pois, de acordo com a teologia menfita, ele é a sede do pensamento, a fonte da ação. Ele também é o dinamismo que dá o movimento aos membros, o funcionamento aos sentidos, a visão aos olhos, a audição às orelhas, a respiração ao nariz. Da idéia de que o falecido era julgado no além e sua alma pesada na balança, nasceu o símbolo da consciência individual: o coração com os pensamentos secretos guardados bem no seu âmago”

Segundo a egiptóloga Elisabeth Delange, quando o morto participa do julgamento, é devolvido para ele a responsabilidade que, junto à sua consciência, é posta diante do tribunal inferior do qual ninguém escapava. Sendo assim, o escaravelho não substitui o coração da carne. Quando ele conjura as ameaças e colabora para aumento da sua eficiência mágica, sobrepõe o ato de substituir garantia, e graças ao poder da palavra, o escaravelho “antecipa” e predispõe um julgamento favorável.

Simbolismo do Escaravelho: Deus Solar Khepri, que significava ressurreição e renascimento, também identificado como o Sol nascente.

 

JULGAMENTO DOS MORTOS

MAAT7
“Pesagem do coração” Livro do Vir à Luz: Papiro de Ani, décima nona dinastia (1295-1186 a.C.), Museu Britânico.

A MEDIDA DA BALANÇA:

O quesito filosófico da balança na tradição egípcia  está relacionada a  Maat. “A palavra Maa vem do termo ‘Maat’, qual significa certeza, ordem e balança” (ASHBY, 2005), seu nome remete a vários termos como: retidão, verdade, harmonia e justiça. A balança, por sua vez, faz referência a inúmeras narrativas Keméticas. Na cosmovisão egípcia a balança é um signo que remete à medida da justiça”.

Quando há julgamento, (Ba), que pode ser lida como coração (alma), deixa o corpo material junto da força vital (Ka), é guiada pelo deus Anúbis para o tribunal, que é precedido pelo Deus Osíris. Como dito anteriormente, em frente ao Deus é colocado o coração da pessoa que deixou a vida terrena num dos pratos da balança. Maat, Deusa da justiça, coloca sua pena no outro prato. O objetivo é medir o peso. Se o coração for leve, uma vida após a morte, ou seja, vida eterna. Porém, se Ib (coração) for mais pesado do que a pena, a pessoa iria se encontrar com Ammit e seu Ib seria devorado pelo mesmo. Esse Deus foi responsável por aterrorizar as pessoas que têm o coração pesado, ou seja, uma vida fora da medida (balança).

Segundo Amen-em-ope no décimo capítulo de Ensinamentos, o filósofo egípcio fala: “não mude as escalas nem falsifiques os pesos ou diminuas as frações da medida (…) O Macaco posta-se junto à balança” (AMEN-EM-OPE, 2000). O “Macaco” era uma designação informal para Toth, Deus da sabedoria, escrita e do conhecimento. Remetendo tanto o esposo quanto a Deusa, são direcionados ao que chamamos de “medida da verdade” ou “peso da verdade”.

A MEDIDA DA PALAVRA:

A medida da palavra e a medida da escrita devem estar sempre vinculados ao peso e a medida da verdade. No capítulo 17 de seu livro, Amen-em-ope fala: “Guarda-te de alterar a medida” (AMEN-EM-OPE, 2000)Ele alerta que o mais adequado seria o silêncio, que estaria preparando a palavra e tomando a medida da verdade. O silêncio, no sentido filosófico, é uma condição ao esperar a gestão da medida de Maat, uma analogia seria o “parto” feito – dado pela escrita de Toth. O silêncio é característica própria da serenidade. Amen-em-ope em sua sabedoria fala que não é ato de mudez, ou seja, deixar de escrever ou falar, mas a serenidade que permite o discernimento de um saber dentro de uma situação das coisas e dos modos, como nossa força vital (Ka) e o coração (Ib) brigam diante de um desejo.

O filósofo fala sobre uma ética de serenidade, uma reflexão silenciosa, nos colocando diante da balança de Maat para medir as coisas, as palavras e agir de uma maneira a qual a harmonia interna permaneça intacta. Ele é símbolo de como propor uma filosofia com o uso da barca no sentido de bem consigo e a barca é somente o signo de percorrer o mundo em busca de si.

Portanto, o termo “Maa”, já citado acima, é referente a palavra balança e, tendo isso em vista, pode ser percebida uma ligação entre a medida da justiça e a medida da sabedoria. Quando Amen-em-ope diz: “guarda-te de alterar a medida”, o indivíduo torna-se o único responsável pelo seu discernimento da verdade e, dependendo de sua serenidade ética, estará entrando em conflito com a harmonia de si mesmo. Por consequência disto, seu coração também entrará no caos, sendo posteriormente devorado pelo Deus Ammit.

 

MAAT NO LIVRO DO VIR À LUZ

No Livro dos Mortos, encontrado no Papiro de Ani, está um feitiço chamado de “Quarenta e Duas Declarações de Pureza.” Este feitiço é composto por confissões feitas, acredita-se, pelo proprietário da tumba. Acreditava-se que quaisquer crimes cometidos contra Maat deveriam ser escritos, visto que poderiam ser perdoados facilmente. Esse ato de limpeza de más ações era diferente para cada pessoa, sendo necessário um importante feitiço para proceder à vida após a morte.

A terminologia “Livro dos Mortos” foi amplamente utilizada pela historiografia, principalmente no século XIX, e ainda circula na mídia e em bibliografia voltada para o público leigo. Tal terminologia faz alusão ao fato de que os livros eram encontrados junto às múmias. Entretanto, a tradução mais adequada de seu título na língua egípcia antiga era Livro do Vir à Luz.

Visto que o preço do Livro dos Mortos era alto, aqueles que não poderiam pagar por ele eram dispensados dos requerimentos e permitidos de sua passagem ao pós-vida. As 42 confissões eram recitadas em reuniões religiosas.

  1. Eu não pequei.
  2. Eu não roubei com violência.
  3. Eu não furtei.
  4. Eu não assassinei homem ou mulher.
  5. Eu não furtei grãos.
  6. Eu não me apropriei de oferendas.
  7. Eu não furtei propriedades do deus.
  8. Eu não proferi mentiras.
  9. Eu não desviei comida.
  10. Eu não proferi palavrões.
  11. Eu não cometi adultério, eu não me deitei com homens.
  12. Eu não levei alguém ao choro.
  13. Eu não senti o inútil remorso.
  14. Eu não ataquei homem algum.
  15. Eu não sou homem de falsidades.
  16. Eu não furtei de terras cultivadas.
  17. Eu não fui bisbilhoteiro.
  18. Eu não caluniei.
  19. Eu não senti raiva sem justa causa.
  20. Eu não desmoralizei verbalmente a mulher de homem algum.
  21. Eu não desmoralizei verbalmente a mulher de homem algum. (repete a afirmação anterior, mas direcionada a um deus diferente).
  22. Eu não me profanei.
  23. Eu não dominei alguém pelo terror.
  24. Eu não transgredi a lei.
  25. Eu não fui irado.
  26. Eu não fechei meus ouvidos às palavras verdadeiras.
  27. Eu não blasfemei.
  28. Eu não sou homem de violência.
  29. Eu não sou um agitador de conflitos.
  30. Eu não agi ou julguei com pressa injustificada.
  31. Eu não pressionei em debates.
  32. Eu não multipliquei minhas palavras em discursos.
  33. Eu não levei alguém ao erro. Eu não fiz o mal.
  34. Eu não fiz feitiçarias ou blasfemei contra o rei.
  35. Eu nunca interrompi a corrente de água.
  36. Eu nunca levantei minha voz, falei com arrogância ou raiva.
  37. Eu nunca amaldiçoei ou blasfemei a deus.
  38. Eu não agi com raiva maldosa.
  39. Eu não furtei o pão dos deuses.
  40. Eu não desviei os bolos khenfu dos espíritos dos mortos.
  41. Eu não arranquei o pão de crianças nem tratei com desprezo o deus da minha cidade.
  42. Eu não matei o gado pertencente a deus.

Portanto, a Deusa Maat teve grande importância para a sociedade do Antigo Egito, pois a sua relevância mitológica influenciou no entendimento pós-morte, falando sobre condutas morais e éticas que deveriam serem praticadas em vida. Tendo o objetivo de promover uma vida justa e verdadeira para que os egípcios pudessem alcançar a vida eterna.

REFERÊNCIAS:

 

  • NOGUEIRA, Renato. “A ética da serenidade: O caminho da barca e a medida da balança na filosofia de Amen-em-ope”, 2013.
  • HEIN, Regina Lucia M. de Sousa. “O imaginário religioso egípcio acerca da imortalidade nos “Textos dos Sarcófagos”, 2001.
  • CAMPBELL, Joseph. “Deusas: Os Mistérios do Divino Feminino”, Editora: Palas Athena, 2017.
  • ALLEN, James. “Genesis in Egypt: The philosophy of ancient Egyptian creation accounts”, New Haven: Yale University Press, p 26, 1998.
  • CÉSAR, Marina. “O Escaravelho – Coração nas Práticas e Rituais Funerários do Antigo Egito”, 2009.
  • CAMARA, Giselle. “Maat: O princípio ordenador do cosmo egípcio; Uma reflexão sobre os princípios encerrados pela deusa do Reino antigo (2686-2181 a.c) e no reino médio (2055 -1650 a.c)”, 2011.

 

 

Trabalho e pesquisa desenvolvidos por Raquel de Alcântara Sarmento, Lorran Ferreira Monteiro e Caique Mota Cavalcante, alunos do primeiro período em História da Arte na Escola de Belas Artes, UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) – História das Artes Visuais 1


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Deusa Maeve:

Quem Foi Dion Fortune?